David Byrne, vocalista dos Talking Heads, é um conhecido ativista da causa da mobilidade leve em geral e da bicicleta em particular. Nessa medida, utiliza em larga escala, nas suas viagens, uma bicicleta dobrável, que costuma recolher no seu quarto de hotel. Ao longo dos anos redigiu diversos textos em cidades tão díspares como Berlim, Manila, Buenos Aires, Istambul, São Francisco, Roma ou Nova Iorque, nos quais relata a experiência de andar de bicicleta naquelas cidades, ligando muitas vezes o uso desse meio de transporte à forma como a cidade se desenvolveu em correlação direta com sociedade. A arquitetura e o desenvolvimento do espaço urbano, fruto dessa correlação, espelham bem se a cidade se humanizou ou descaracterizou, sendo que em muitos dos casos (em particular nas cidades norte-americanas) a cidade nunca se chegou verdadeiramente a humanizar, particularmente nas zonas que cresceram demasiado rapidamente, fruto da exploração industrial e da dotação de estruturas viárias adaptadas ao automóvel. Os textos de Byrne foram reunidos em livro com o título "Bicycle Diaries" (publicado em português pela Quetzal sob o título "Diário da Bicicleta").
Como ponto de partida os textos de Byrne são interessantes, porque revelam o senso-comum que se vai tendo da realidade actual. Com efeito, ao mesmo tempo que nas sociedades em que a bicicleta era até há pouco tempo muito utilizada, o seu uso vai sendo vencido pela adopção do automóvel (Pequim, Hanói, Shangai, Manila, Marraquexe) enquanto nas cidades europeias o uso do automóvel vai tendencialmente estando mais controlado não só em frequencia de uso, como igualmente em termos de espaço. Isto está, por enquanto, a ser possível porque em muitas das cidades europeias, particularmente nas mais antigas, ainda existe um núcleo histórico que cresceu em torno de um centro, onde coexistem habitação, comércio, serviços e áreas de lazer, cuja revitalização é possível e o emaranhado de ruas é compatível com a introdução (ou reintrodução) da bicicleta (Paris, Londres, Berlim, Barcelona, Florença são exemplos dessas cidades). Há, naturalmente, cidades mais recentes onde o núcleo central desapareceu ou deslocou-se para periferias distantes, fruto do urbanismo desenfreado, ou da criação de zonas comerciais, industriais ou de serviços fora do referido núcleo central (Lisboa e Madrid são cidades onde se optou por este tipo de desenvolvimento), tendo sido atravessadas por vias rápidas mais compatíveis com o uso do automóvel que da bicicleta. Salientam-se contudo os esforços - por vezes demasiado tímidos - que em Lisboa têm vindo a ser feitos para reintroduzir a bicicleta e a mobilidade leve dentro do perímetro urbano da cidade.
Na cidade americana, à excepção de Nova Iorque (zona de Manhattan), Boston ou São Francisco (mas outras haverá certamente), que adoptaram um modelo de desenvolvimento inicial muito próximo do europeu, o uso da bicicleta tem uma expressão forte e tornou-se um objecto de moda, pelo que a pouco e pouco vai-se impondo. O que é realmente de salientar é que no "novo" centro de Nova Iorque, numa zona perdida para os peões e bicicletas como era Times Square, Michael Bloomberg conseguiu em dois anos inverter a tendência, humanizou a zona, fomentando o uso da mesma por pessoas, tornando-a numa zona de lazer, que logo em seguida trouxe consigo a abertura de pequenos estabelecimentos que modificaram aquela zona.
O exemplo de Nova Iorque deve constituir um modelo de inspiração para outras cidades e pensamos que pode constituir um excelente exemplo para Lisboa (v. video abaixo).